Lembrança
Eu sorria. De repente, porém, eu soube
Na profundeza do meu silêncio
Que ele me seguia. Como minha sombra, leve e sem culpa.
Na noite uma canção soluçou…
Os índios se estendiam, como serpentes, pelas vielas da cidade.
Uma harpa e uma jarana eram a música, e as morenas sorridentes
Eram a felicidade.
Ao fundo, atrás do “Zólaco”, o rio cintilava
e escurecia, como
os momentos de minha vida.
Ele me seguia.
Acabei chorando, isolada no pórtico da
Igreja paroquial,
Protegida por meu xale de bolita, encharcado por minhas lágrimas.
(Frida Kahlo. Poema publicado por El Universal Ilustrado)
Frida Kahlo nasceu no México, no dia 6 de julho de 1907 (Muito embora, por forte identificação com a Revolução Mexicana, sempre tenha afirmado ter nascido em 1910).
Com diversos problemas de saúde, teve de lidar com o sofrimento desde muito cedo e, por causa de um acidente de trem, teve de ficar acamada durante um longo tempo, submeter-se a várias cirurgias e usar coletes que percorriam toda sua coluna.
Foi durante o período em que esteve acamada que começou a pintar com freqüência, utilizando o material de seu pai, um cavalete que foi feito para se adaptar à cama e aproveitando-se do espelho que sua mãe instalara sobre sua cama.
Assim sendo, Frida começou pintando auto-retratos: “Pinto-me por que estou muitas vezes sozinha e por que sou o assunto que conheço melhor”. E esse processo, de pintar a si, se mantém como uma coluna vertebral em suas obras.
Aos 22 anos, na mesma época em que aproxima-se do Partido Comunista, casa-se com o pintor Diego Rivera, o qual aparecerá em diversos momentos em suas pinturas. Viajou para diversos países acompanhando Diego e convivendo com vários intelectuais e artistas. Conhece André Breton e em novembro de 1938 realiza sua primeira exposição individual na Juien Levy Gallery, em Nova York. Depois de conhecer seu trabalho André Breton o reconheceu como surrealista, mas Frida não concordava: “Pensaram que eu era surrealista mas nunca fui. Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade”. E também não se afeiçoou aos surrealistas que conheceu no meio artístico parisiense, como escreve a Nickolas Muray: “São tão desprezivelmente ‘intelectuais’ e podres que já não os consigo suportar.”. Atrás de um desenho intitulado “Fantasia (I)”, escreveu: “Surrealismo é a surpresa mágica de encontrar um leão num guarda-roupa, onde tínhamos a certeza que encontraríamos camisas”.
Em abril de 1953 realiza sua única exposição individual no México na Galería Del Arte Contemporáneo, para a qual vai literalmente “de cama” (carregada até a galeria) como o recomendado pelo médico, uma vez que já estava fisicamente muito debilitada e no mesmo ano tem a perna direita amputada por conta de uma gangrena. No ano seguinte é hospitalizada com broncopneumonia e falece no dia 2 de Julho.
Um ano após sua morte, Rivera legou a Casa Azul (onde viveram) ao Estado do México para se tornar um museu, inaugurado como Museo Frida Kahlo em 1958.
As obras de Frida têm um caráter existencial e autobiográfico, evidenciado não apenas pela maioria de auto-retratos, mas pela forte presença de imagens relacionadas à questão identitária mexicana: motivos da cultura tradicional, papagaios, macacos, a familiaridade com a morte constantemente presentes.
Ela se utiliza de cores fortes e vívidas e também opacas e terrosas como no “Retrato de Luther Burbank” (ao lado). A conexão de Frida com a terra é muito explícita e seu diálogo com esta e com a morte é constante . Além da própria realidade, interna e externa, um forte tema de seu trabalho é Diego Rivera, retratado diversas vezes como um bebê que ela segura amorosa e possessivamente nos braços, demonstrando a complicada relação de dependência que Frida traçara com ele. O aborto também é tema do trabalho da artista (que sofreu um aborto espontâneo e nunca teve filhxs). Também o cão Itzcuintli ( o cão mítico mexicano que guarda o reino dos mortos) aparece em seu trabalho ( “Auto-Retrato com o Cão Itzcuintli” e “O Abraço Amoroso entre o Universo, a Terra (México), Eu, o Diego, e o Sr. Xólotl” – abaixo).
Algo de muito marcante nas imagens de Frida é que, embora a carga emocional seja muito presente, as personagens retratadas raramente têm uma expressão facial que não a da placidez diante da realidade.
Ao observar os trabalhos e a biografia da artista, é possível perceber uma produção intrincada com seu universo psíquico e com toda sua herança cultural.
Nina Ferreira.
Fontes:
ZAMORA,Martha : Cartas Apaixonadas de Frida Kahlo
KETTENMANN, Andrea: Frida Kahlo 1907-1954 Dor e Paixão
http://www.fkahlo.com/ (espanhol).
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